segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Alcoólicas (trechos)
Hilda Hilst
IÉ crua a vida. Alça de tripa e metal.Nela despenco: pedra mórula ferida.É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.Como-a no livor da línguaTinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-meNo estreito-poucoDo meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vidaTua unha plúmbea, meu casaco rosso.E perambulamos de coturno pela ruaRubras, góticas, altas de corpo e copos.A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos.E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrimaOlho d’água, bebida. A vida é líquida. II
Também são cruas e duras as palavras e as carasAntes de nos sentarmos à mesa, tu e eu, VidaDiante do coruscante ouro da bebida. Aos poucosVão se fazendo remansos, lentilhas d’água, diamantesSobre os insultos do passado e do agora. Aos poucosSomos duas senhoras, encharcadas de riso, rosadasDe um amora, um que entrevi no teu hálito, amigoQuando me permitiste o paraíso. O sinistro das horasVai se fazendo tempo de conquista. Langor e sofrimentoVão se fazendo olvido. Depois deitadas, a morteÉ um rei que nos visita e nos cobre de mirra.Sussurras: ah, a vida é líquida.
III
Alturas, tiras, subo-as, recorto-asE pairamos as duas, eu e a VidaNo carmim da borrasca. EmbriagadasMergulhamos nítidas num borraçal que coaxa.Que estilosa galhofa. Que desempenadosSerafins. Nós duas nos vaporesLobotômicas líricas, e a gaivagemse transforma em galarim, e é translúcidaA lama e é extremoso o Nada.Descasco o dementado cotidianoE seu rito pastoso de parábolas.Pacientes, canonisas, muito bem-educadasAguardamos o tépido poente, o copo, a casa.Ah, o todo se dignifica quando a vida é líquida
IX
Se um dia te afastares de mim, Vida — o que não creioPorque algumas intensidades têm a parecença da bebida —Bebe por mim paixão e turbulência, caminhaOnde houver uvas e papoulas negras (inventa-as)Recorda-me, Vida: passeia meu casaco, deita-teCom aquele que sem mim há de sentir um prolongado vazio.Empresta-lhe meu coturno e meu casaco rosso: compreenderáO porquê de buscar conhecimento na embriaguês da via manifesta.Pervaga. Deita-te comigo. Apreende a experiência lésbica:O êxtase de te deitares contigo. Beba.Estilhaça a tua própria medida.

PROMISCUIDADE

NO MOMENTO O TEMPO GANHOU A APOSTA,

ELE DISSE QUE EU NÃO CONSEGUIRIA DAR CONTA

DE TUDO E AINDA TIRANDO ONDA COM TUDO, BEM,

NO MOMENTO SÓ POSTO PALAVRAS ALHEIAS, AINDA BEM

QUE A MAIORIA DELES OU JÁ MORREU OU VIVE LONGE

DO MARCIANO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

texto: ARPURO

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Nós vos pedimos com insistência:
Não digam nunca: isso é natural!
Diante dos acontecimentos de cada dia
Numa época em que reina a confusão,
Em que corre sangue,
Em que ao arbritário tem força de lei,
Em que a humanidade se desumaniza,
Não digam nunca: issso é natural!
Para que nada passe a ser imutável
( BERTOLT BRECHT )